MUNDO CULT
Nayara Carrilho
Fotos Arquivo Pessoal | Divulgação
“As pessoas vão sempre te tratar como uma imigrante”
Sempre sonhei em morar nos Estados Unidos. Desde pequena assistia aos filmes e imaginava que um dia poderia ser eu morando naquelas casas, vivendo aquele estilo de vida, e até mesmo trabalhando em uma dessas produções hollywoodianas que ficariam na memória de muita gente. Pois então, assim eu fiz. Com 23 anos vim para San Diego, CA, pela primeira vez para estudar inglês e trabalhar enquanto estudava. Por sorte, fiz muitos amigos brasileiros e de outros países que estavam na mesma situação que eu. Juntos saímos desbravando as cidades da Califórnia, e descobrimos que o inglês que tínhamos aprendido no cursinho do Brasil, aqui não valia para nada. Tínhamos que começar do zero. Quando eu digo começar do zero, quer dizer que quando um americano falava eu apenas respondia com um “yes”, e se ele fizesse uma cara estranha, eu mudava para “no”, e até a gente se entender demorava uma semana. Era engraçado na época, mas hoje eu vejo quanta dificuldade para ser entendida e se entender. Com 23 anos, você está apenas experimentando a vida, então tanto faz onde trabalha, você não vê o que realmente acontece com os estrangeiros que vem pra cá tentar uma vida melhor. Passei um ano aqui e vi que o meu diploma de Jornalismo do Brasil não adiantava de nada aqui. Eu teria que ter um sponsor se quisesse trabalhar na minha área, ou ter muito dinheiro para eu mesma bancar os estudos aqui até que conseguisse um OPT (documento que te dá a permissão de trabalho por 1 ano). Meu primeiro emprego foi num parque de diversões, onde apenas estrangeiros eram contratados. Nenhum deles falavam um bom inglês, mas todos eram escolhidos pelo seu porte físico e beleza, ou seja, basta ser um atrativo e será contratado. Fora da minha área por 1 ano, mudei de trabalho e fui atuar como nanny e bartender, atuar mesmo, porque nunca tinha cuidado de uma criança ou preparado drinks no Brasil. Aqui você aprende na marra. Até que um belo dia eu decidi arrumar minha mala e voltar para o Brasil. O país estava vivendo um momento bom em 2010, várias empresas de petróleo se mudando pra lá, e eu consegui um ótimo emprego em uma multinacional, o que me fez ficar no país por 4 anos, até que a crise chegou e chegou para ficar. Em 2014, após ser demitida juntamente com aproximadamente mil pessoas, contando as pessoas da fábrica mais as do escritório, pensei, porque não voltar para os Estados Unidos e tentar novamente. Poderia ficar um tempo, juntar um pouco de dinheiro e voltar para o Brasil com o objetivo de abrir meu próprio negócio. Hoje, com 35 anos, eu aprendi que planos são apenas planos, o meio do percurso sempre muda e você tem que aprender a lidar com os novos desafios e novos planos que a vida mesma se encarrega de fazer por você. Cheguei aqui com 29 anos, há 6 anos atrás. Fui trabalhar com eventos e onde eu trabalhava me sentia muito feliz porque a maioria das pessoas era de outros países, assim como eu, ou eram brasileiras. Todos se davam muito bem. Não parecia que estava fora do meu país. Até que comecei a namorar um americano e tive que me adaptar a sua cultura, seu estilo de vida (completamente diferente do meu) e entender que a realidade de um imigrante é realmente bem diferente da realidade das pessoas que nasceram aqui. Nos casamos em 2016, e mesmo casando, sempre me senti um peixe fora d’água em volta de seus amigos e familiares. Quando eles comentavam sobre o Brasil, comparavam o nosso país com a África, e eu não entendia o porquê de tamanha falta de conhecimento, uma vez que lhes é oferecido um dos melhores sistemas de educação. Em rodas de amigos já ouvi pessoas se dirigindo a mim e ao meu país como país de terceiro mundo, país que está há 100 anos no mínimo atrás dos Estados Unidos, país de pessoas muito felizes e “bonitas”, mas que só pensam em carnaval, futebol e o famoso churrasco. Uma falta de respeito absurda e um preconceito desnecessário que gerava em mim um imenso desconforto. Eu tinha até intenção de explicar melhor sobre a realidade da nossa cultura, mas quando começava a falar por conta do meu “accent”/sotaque, as pessoas fingiam não me entender.
Uma vida melhor?
Durante estes 6 anos aqui, não quero generalizar falando sobre americanos, porque como acontece em todos os países, existem pessoas conscientes e pessoas tolas. Aqui não seria diferente. Durante todo esse tempo, todos os trabalhos que eu consegui foram através dos meus esforços. Nunca recebi favor de nenhum amigo americano, e pelo contrário, se tivessem que me diminuir para me sentir ainda mais fora da roda, isso acontecia constantemente. Como sou brasileira e não desisto nunca, meu primeiro trabalho após pegar o famoso Green Card foi como produtora assistente no filme dos Power Rangers, produzido pela Lionsgate. Esse trabalho apareceu quando eu estava trabalhando como recepcionista em um restaurante, até que um diretor me confundiu com uma das produtoras e me pediu para pegar algo no carro. Eu pedi desculpas e disse que não trabalhava para o estúdio, que na verdade estava ali em pé porque trabalhava para o restaurante. Ele se desculpou também e continuou a trabalhar na produção da Premiere do filme que aconteceria nesse restaurante. Cena de cinema, né? Eu sempre ouço a voz do coração, e a voz me disse, “vá até ele e peça uma oportunidade”. Foi isso o que eu fiz. Disse para ele que eu era jornalista no Brasil, que tinha trabalhado em TV, e que era o meu sonho trabalhar em um estúdio aqui. Após duas semanas, lá estava eu dentro da Lionsgate, trabalhando como produtora. Final feliz? Não. Infelizmente, como eu já tinha percebido quando vim pra cá com 23 anos, o tratamento entre americanos e imigrantes se difere, e difere muito. E justamente porque você, às vezes, não entende piadas internas, porque não faz o menor sentido pra você, porque você vem de outra cultura, existe um choque e uma rejeição grande por parte de “alguns” americanos. O que quero resumir é que mesmo alcançando o trabalho dos sonhos, sendo possibilitada de trabalhar legalmente, e até por ter uma filha aqui, nada mudou. As pessoas vão sempre continuar a te tratar como uma imigrante. E para provar que não estou mentindo, vocês podem notar que aqui todas as comunidades de outros países são super unidas. As ucranianas estão sempre juntas, assim como os mexicanos, os italianos, os judeus, os chineses, e não seria diferente com os brasileiros. É como se todos os povos trouxessem o seu país pra cá para doer menos, sabe? Essa vida cheia de glamour, com carros dos sonhos, casas incríveis, roupas de marca, viagens maravilhosas, vem com muito sacrifício. E o sacrifício é tão grande que acaba transformando essa vida que deveria ser repleta de glamour em uma vida vazia. Todos os imigrantes que converso aqui possuem a mesma ânsia que eu tenho, ainda mais em tempos de pandemia. Todos eles dizem: “Ah, como eu gostaria de estar perto da minha família”. Afinal, o que vale mais a pena? Viver com pouco e estar próximo aos seus entes queridos ou viver todos os prazeres que a vida pode lhe dar sem poder dividir com as pessoas importantes da sua vida? Esse glamour que todo mundo vê, quando abrem as mídias sociais de alguém que mora no exterior, não passa de uma grande bolha, onde a maioria esconde seus medos, sua saudade e sua vontade de retornar ao seu país. Saímos com a esperança de uma oportunidade melhor, mas as oportunidades são completamente diferentes das que são dadas para os cidadãos americanos. Cabe a você decidir o que importa na sua vida. A verdade sobre morar fora é que você vai ganhar e viver muita coisa, mas vai fazer isso tudo sozinho. E a grande mentira é que obtendo todos os bens materiais do mundo, você vai ser a pessoas mais feliz e plena do mundo. Todos os bens materiais do mundo nunca chegarão perto de um almoço do Dia das Mães ao lado da sua mãe ou o aniversário do seu filho com toda a sua família presente. Portanto, se você está pensando em sair do Brasil para ter uma vida melhor, pense bem no que você está disposto a abdicar em troca de “uma vida melhor”?
Nayara Carrilho é jornalista, apresentadora, atriz, consultora de mídias sociais, roteirista e empreendedora, com mais de 15 anos de experiência nas áreas da comunicação e do audiovisual. Fundadora do canal Brazilian Planet, está escrevendo seu primeiro longa-metragem. Email: [email protected]