Mônica Cunha | Jornalista
O silêncio dos meus olhos com o da senhora de amarelo ecoou e debruçada no balcão acompanhei o ritual.
A barraca ficava em um dos cantos daquela feira gigantesca. Era a Global Village! Iluminada e iluminava o ermo do deserto de Dubai. Do roxo ao amarelo um exagero de cores. E lá fomos nós, acatando a sugestão do recepcionista do hotel. Confesso que não fiquei muito animada quando ele aconselhou de irmos a tal feira, mas chegando lá me encantei pelo que viria a cada passo. Aliás, foram muitos passos porque vi muito do mundo num só lugar. Uma viagem dentro de outra viagem. Na entrada estavam as réplicas de monumentos pra lá de conhecidos: o Big Ben londrino, a estátua da Liberdade, a Torre Eiffel. E um ‘mundaréu’ de gente. Mais gente de lá do que turistas de lá e acolá! As mulheres com suas abayas pretas e lenços da mesma cor. Não pense que são todas iguais. Não são mesmo. Reparei com discrição e percebi alguns detalhes: de bordados a um brilho discreto. Uma tradição com elegância também.
Nesse caminhar, que começava pouco depois das sete da noite, parei antes de virar à esquerda. Precisava digerir toda aquela grandeza. Eram ‘lares’ em forma de stands enormes. Cada um com uma passagem. Sim, uma porta que se abria para os costumes, a arte, a culinária, as riquezas culturais. Tinha a Turquia, o Marrocos, a China, a Índia, a África. Inspirei e joguei boca afora a euforia junto com e o ar. E ao me virar de vez, poucos metros depois vi a tenda. Rente à parede. Claro que uma fila havia. Fui esticando os pés e o olhar até que um espaço vagou e cheguei ao balcão. Lá dentro quatro mulheres agachadas. Todas de saias longas, véus cobrindo os cabelos e luvas de plástico para preparar a receita. Qual eu ainda não sabia. Atrás delas uma pintura. Na lona, o desenho de mãe e filha em volta do fogareiro trazendo a magia da comida partilhada. O silêncio dos meus olhos com o da senhora de amarelo ecoou e debruçada no balcão acompanhei o ritual. Elas sentavam de cócoras, tinham anéis nos dedos e conversavam entre si na língua delas. Acredito que era curiosidade mútua. Elas de lá e nós de cá. Num estranhamento de nós mesmos, mesmo iguais. O silêncio dos meus olhos com o da senhora de amarelo ecoou e debruçada no balcão acompanhei o ritual. Um punhado de massa esparramada no disco de alumínio. Sorri e espera esquentar. Sobre o círculo queijo em fartura e um salgadinho crocante quebrado para modernizar a lista de ingredientes. Dobra uma, duas, quatro vezes e vira um sobrado de massa. Ela pega um daqueles pratos de papel e entrega o pedido. Em nenhum momento franziu a testa. Nem quando perguntei se poderia tirar uma foto e ela me disse que apenas do preparo, não dela. Guardei o celular. A simpatia daquela senhora – que talvez pudesse ser mais nova do que eu – aguçou o paladar. Queria experimentar a iguaria. A primeira mordida veio um gosto bom! Nada de igual tinha com panqueca, misto ou crepe. Era o sabor de uma herança. Quase uma hora e meia depois a fome bateu de novo. Comprei outro pão. E a mulher disfarçada de sol se espantou e feliz ficou quando a procurei para novamente repetir o alimento. Nos despedimos gratas ao acaso do destino que fez juntar oeste e leste na tradução da ternura gratuita.
Mônica Cunha é jornalista e apresentadora de TV.
