Mônica Cunha | Jornalista
ELA, QUE PODE ACALMAR,
TAMBÉM DÁ FORÇA E REVIGORA!
Era num caldeirão bem fechado com elástico amarelo que a rapadura ficava. Bem longe de dedinhos curiosos e à procura de um doce a toda hora. Mas bondoso que só, de coração generoso, meu avô Irany sempre oferecia um pedacinho aos netos quando ele mesmo sentia aquele desejo de experimentar a sensação de prazer que o açúcar traz. Saboreava devagar e contava como aquela barra era feita, que dava a energia que ele precisava para trabalhar com tijolo, cimento e enxada. Pedreiro de vocação e mesmo nas horas vagas inventava moda para mexer com a pazinha que até hoje está bem guardada na casa da minha irmã. Ferramenta que o acompanhou por mais de 50 anos. Para degustar a rapadura tinha até ritual. Sentávamos no quintal entre as duas casas, a dele e a dos meus pais. Eu ficava para lá e para cá nos meus dois mundos. Ele pegava um dos tamboretes, encostava na parede e sentava-se com as pernas cruzadas e eu me jogava no chão com os olhos atentos ao que ele dizia. O piso era de cimento chapiscado, bem rústico. Não me importava se a pele sentia a aridez. O que importava era o doce prestes a agradar o meu paladar infantil. Essa memória afetiva veio assim, de repente, enquanto eu digitava um email. Conversávamos na redação sobre os vários tipos de açúcar – e hoje são tantos que a gente até se confunde – e na lista lembrada por cada um de nós veio a rapadura. E ela, ainda bem, resiste a toda modernidade na alimentação. Está viva nos potinhos de vidro na saída de alguns restaurantes. Pedaços de rapadura bem ao lado da garrafa de café, agrado pós-refeição, para adoçar a próxima etapa da jornada de trabalho. Ela, que pode acalmar, também dá força, revigora e há muitos corredores com pacotinhos para aquele momento de cansaço. Ah! E é sobremesa depois do almoço em tantas casas que não estão de portas fechadas para a mineirice nossa de cada dia. Me deu água na boca toda essa recordação e confesso que vou ao mercado buscar um pedaço. Sem exageros, na medida é possível juntar saudade com saudável.
Mônica Cunha é jornalista e apresentadora de TV.