Joana Araújo | Jornalista
Fotos Divulgação
COMO É SER UMA BAILARINA NEGRA?

Antes uma atração mais ligada à nobreza, o balé ainda hoje é considerado por muitos como um produto cultural elitizado. Isso é reforçado no Brasil pelo fato de bailarinos serem majoritariamente brancos, em um país onde 55% da população se declara preta ou parda, segundo dados de 2016 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ingrid Silva é uma das poucas bailarinas brasileiras negras, sendo hoje a primeira-bailarina da respeitada companhia nova-iorquina Dance Theatre of Harlem – DTH. Ingrid é filha de uma empregada doméstica e de um funcionário da Força Aérea Brasileira e foi através do esporte e outras atividades que se manteve ocupada no dia a dia duro de uma favela do Rio. “Minha mãe é uma pessoa de visão. Desde pequena, com 3 anos eu ingressei na natação. Depois, com 6 anos, em outras atividades como ginástica olímpica, futebol, basquete e outras que você imaginar. Com 8 anos, um vizinho sugeriu que minha mãe me levasse para fazer um teste no projeto Dançando para Não Dançar, na Vila Olímpica da Mangueira, no Rio de Janeiro. Eu passei e foi aí que tudo começou”, conta. “Quando entrei para a Escola de Dança Maria Olenewa, do Theatro Municipal, aos 12 anos, me apaixonei de verdade pelo balé e também passei a notar que nas principais companhias praticamente só havia bailarinos brancos. Por muito tempo fui a única negra nas aulas, o que para mim não era um empecilho. Havia racismo, mas isso nunca me impediu de dançar”, lembra.
Mas, do Rio de Janeiro até Nova York, o caminho foi longo. “Em 2007, a também brasileira Bethânia Gomes, primeira bailarina do DTH na época, veio para o Brasil, me viu dançar, pediu que eu fizesse um vídeo para participar de uma audição para um curso de férias deles. Entre as mais de 200 meninas que concorriam fui uma das escolhidas e passei um mês em Nova York. Aos 19 anos fui convidada para me tornar bailarina da companhia e me mudei de vez para a cidade”, revela. Passadas as dificuldades iniciais em se adaptar à nova cidade, hábitos e à língua, Ingrid percebeu que o balé poderia levá-la a muitos lugares. O DTH foi a primeira companhia predominantemente negra de balé profissional nos EUA, que defende acima de tudo a inclusão. A companhia foi criada em 1969 por Arthur Mitchell, o primeiro bailarino negro do New York City Ballet, em parte como resposta ao racismo dentro e fora do mundo do balé clássico. “Entre seus integrantes há bailarinos do mundo todo. Finalmente, me vi numa sala de aula com pessoas que se pareciam comigo, nunca pensei que isso seria possível até estar ali. Foi no DTH que conheci a técnica criada pelo Arthur para que meias e sapatilhas cor-de-rosa não contrastassem com o nosso tom de pele e atrapalhassem ‘a linha contínua do corpo’. Só usamos meias cor da pele e pintamos as sapatilhas com uma base líquida para o rosto. Até existem duas marcas com modelos de diferentes tons de sapatilhas marrom, mas as tonalidades disponíveis (três ou quatro) não funcionam para todo mundo. Também parei de alisar os cabelos e me aceitei com os fios crespos. Aprendi a fazer um coque de um jeito natural para que consiga mantê-los no estilo black quando soltos”, explica.
Ingrid acentua que a realidade do balé no Brasil é diferente, que até existem negros em escolas de dança, mas o difícil é achá-los em companhias. “Os grupos nacionais seguem muito o padrão europeu, por isso falta diversidade nos corpos de baile em um país tão colorido como o nosso. Não é porque não existam bailarinos negros, é porque as companhias custam a se abrir para a diversidade, diferentemente dos outros países. O racismo no Brasil é escondido, mas os olhares dizem tudo. Já sofri racismo, mas depois que cheguei aos Estados Unidos mudei minha postura sobre, porque as pessoas aqui lutam constantemente por respeito. No Brasil, as pessoas disfarçam seu racismo como mimimi”, comenta. A bailarina tem consciência da responsabilidade em ser inspiração para outros jovens. “O que me motiva de fato é poder ser inspiração para jovens de áreas carentes, que não têm tantas oportunidades. É muito importante que vejam que, se tem alguém ali que conseguiu, eles também podem conseguir. Não vai ser fácil, porém não será impossível”, conclui.
Joana Araújo é jornalista, com experiência em assessoria pública e privada. Nos últimos anos tem se dedicado a entender suas origens e a pesquisar o histórico da busca pela igualdade racial no Brasil.
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