BEM CULT
Mônica Cunha
Fotos Bruno Fernandes | Arquivo Pessoal
“Ver o fogo à espera da chaleira fez minha segurança faiscar”
Já eram mais de oito horas da manhã. E seguíamos para a segunda garrafa de café. Entre uma prosa e outra aleatória de um domingo de manhã muita pressão para encher as xícaras. Atrevida, logo assumi a vez de preparar. Fiquei meio sem jeito porque preparo o meu sem muitos segredos, de cor e salteado e de olhos fechados. Agora, na casa dos outros é diferente. Mesmo eu me sentindo tão à vontade no lar dos meus dois amigos. Bom, como na vida a gente precisa se arriscar, peguei a chaleira. Uma relíquia! Antiquíssima, herança de família, com certeza. Daquelas que cumpre bem o papel de ferver bem a água. Tem cabo de madeira, corpo de ferro e é cinza com pontinhos pretos. Um poá clássico na cozinha. De primeira, acertei a chama do fogão. Também tem a sua história. Percebo pelas marcas na porta do forno, lá dentro, nas grelhas que tanto assaram. Ver o fogo à espera da chaleira fez minha segurança faiscar. Me virei para o lado direito para pegar o pó. O pote fica na segunda porta do armário pintado em roxo e preto. Com o vidro em mãos, caminho até o coador. Nunca vi um daqueles. Ele é muito diferente. Vou tentar descrever! Imagine aí: um suporte de madeira em U, mas invertido. Um círculo encaixa o coador de pano sempre protegido por uma tampa que parece obra de arte. Logo embaixo está um bule azul esmaltado. Tem duas xícaras e um abrigo para o adoçante. Tudo junto em uma bandeja. E esse utensílio fica estrategicamente em frente à janela que dá para uma hortinha no parapeito. É onde está a Tati. Enquanto passo a água, protegendo minha mão com um pano de prato, eu a observo replantando a cebolinha numa milimétrica matemática de cultivar. No processo do passar um simples cafezinho sento à mesa, do outro lado, e espio a vista e a fumaça que vai ziguezagueando, aguçando a fome da vida…
Mônica Cunha é jornalista e apresentadora de televisão.