MUNDO CULT – COMUNICAÇÃO
Adriana Sousa
Fotos Arquivo Pessoal | Divulgação
Mudanças sociais nos ensinam a transformar a maneira como usamos as palavras.
Pesquise sobre cursos de redação na internet. Eles vão te ensinar tudo sobre gatilhos mentais, persuasão, palavras chave, indexação. Trarão pouco sobre algo fundamental na relação entre quem escreve e quem lê: o respeito. Me inscrevo em alguns deles e percebo que poderiam acrescentar alguns conteúdos:
Gênero: historicamente, as palavras sempre foram expressas prioritariamente no gênero masculino. Usar as duas flexões pode deixar o texto pedante. Usar o “x” no lugar da letra “o” dificulta os mecanismos de leitura automatizada. Qual a saída então? Buscar sinônimos, palavras neutras, que expressam a mesma ideia. Ao invés de “executivos”, usar “lideranças”.
Expressões preconceituosas: em um programa nacional de entrevistas, uma jornalista importante indagou ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso: “o senhor tem um pé na cozinha?” querendo saber se ele tinha antepassados negros. Melhor seria: o senhor descende de negros, índios, europeus? O mesmo vale para tantas outras expressões que eram normais até ontem. Uma das que abomino é “mão de obra”, ainda bastante usada.
Micropoder: é comum a gente usar expressões como “meus alunos”, “minha equipe”, “meu time”. Sempre usei, mas de repente causam desconforto. Os alunos temporariamente assistem às aulas que ministro, mas não pertencem a mim. A equipe, que trabalha sob determinada liderança, também não pertence a ela. Cada um pertence apenas a si mesmo.
Mudaram os tempos, muda a maneira como usamos a linguagem: essas reflexões começaram a se tornar mais fortes depois que assisti a um documentário sobre José Saramago e sua esposa, Pilar Del Rio. Ela exigia ser chamada de “presidenta” em uma organização que presidia. Ao ser questionada por um repórter, que afirmava que a palavra não existia, ela retrucou: “não existia a palavra porque não existiam mulheres nessa função. Agora existimos e a palavra é necessária”. Que sejamos redatores mais conectados aos nossos tempos, percebendo, nos pequenos detalhes, as mudanças de era que temos a experiência de vivenciar.
Adriana Sousa é Jornalista, Redatora e Professora Universitária.