Lei Aldir Blanc

A conquista dos trabalhadores da Cultura.

Um movimento cultural bem interessante aconteceu em nível nacional, ano passado, no Brasil. Algo que trouxe alento e subsistência aos trabalhadores da cultura no País. Antes que haja equívocos e reverberação de notícias falsas, como aconteceu exaustivamente com a Lei Rouanet, é importante elucidar os fatos, esclarecendo às pessoas do que se trata a Lei Aldir Blanc. Em primeira instância, vale ressaltar que ela homenageia um ícone da cultura brasileira, morto ano passado em decorrência da Covid-19,  um dos maiores compositores de todos os tempos, que deixou um legado incrível em repertório de mais de 600 canções, boa parte delas entre os maiores clássicos da música popular brasileira, como “O Mestre-sala dos Mares”, “Dois pra Lá, Dois pra Cá”, “De Frente pro Crime”, “Kid Cavaquinho”, “Incompatibilidade de Gênios”, “O Ronco da Cuíca”, “Transversal do Tempo”, “Corsário”, “O Bêbado e a Equilibrista”, “Catavento e Girassol”, “Coração do Agreste”, além da belíssima  “Resposta ao Tempo”, entre várias outras pérolas musicais. Homenagem posta, mais que justa.

Necessário é esclarecer que a referida lei surgiu como resultado de um movimento espontâneo, de toda a classe artística brasileira, de proporção nacional, que pedia simplesmente para que se liberasse o Fundo Nacional de Cultura para socorrer os trabalhadores da cultura em todo o país, cujos trabalhos foram interrompidos pela pandemia. O Fundo Nacional de Cultura é um desdobramento da Lei Rouanet, para onde vão todos os recursos oriundos de projetos não desenvolvidos, principalmente aqueles que captam incentivos financeiros, mas não atingem os 20% necessários para executar o projeto, além de doações e legados e de arrecadação de concursos e loterias federais, dentre outros. Ali existiam parados mais de R$3 bilhões, enquanto agentes culturais de todos os estados passavam necessidades. Assim que começou a pandemia, os trabalhadores da cultura dos quatro cantos do País começaram a cobrar da então secretária especial de Cultura, a atriz Regina Duarte, que utilizasse o Fundo para socorrer os artistas brasileiros. O mesmo pedido foi feito ao seu sucessor, o também ator Mário Frias. Ambos sequer responderam aos apelos. Foi por iniciativa das deputadas Jandira Feghali e Benedita da Silva que se formou uma energia de comoção em todo o País e a lei foi sancionada. Graças a ela, trabalhadores de todas as áreas culturais e linguagens artísticas, em todo o território nacional, puderam dar um respiro das enormes adversidades provocadas pela pandemia e iniciam o ano com perspectivas de trabalho e/ou de remunerações que os permitam, pelo menos por um período, produzir sem a agonia das incertezas do dia a dia.

Os recursos foram repassados às prefeituras e governos estaduais para que a gestão fosse feita. Um percentual dele foi destinado a espaços culturais – entenda-se por espaços não somente os locais físicos com programação e/ou ensino, mas também projetos, programações e manifestações culturais populares de fórum permanente – e o restante a editais de projetos, premiações, auxílios emergenciais idênticos ao executado pelo Governo Federal, pesquisas, bolsas, etc, contemplando, deste modo, quase todas as vertentes de produção cultural no país. Existiram críticas às formas de distribuição dos recursos, à excessiva burocracia de alguns municípios, à própria elaboração de alguns editais; enfim, falhas decorrentes da emergência dos processos, uma vez que os recursos tinham prazo para chegarem aos seus destinatários, sob pena de serem devolvidos para a União. Ao contrário do tumulto gerado em outras cidades, em Uberlândia, o processo foi relativamente tranquilo, embora no edital para projetos uma minoria de inscritos tenha sido contemplada, enquanto sobraram recursos nos demais editais (espaços, premiações e bolsas). O auxílio emergencial similar ao do Governo Federal acabou ficando sob a tutela do Governo de Minas Gerais, que também teve os seus próprios editais de fomento.  Por aqui, as sobras existentes acabaram sendo deslocadas para o edital de projetos, mas, ainda assim, muitos foram os que ficaram de fora, caracterizando-o, neste edital em específico, mais como os tradicionais processos seletivos dos editais convencionais do que como no escopo previsto de lei emergencial para auxílio aos trabalhadores da cultura. Mais do que o socorro financeiro aos trabalhadores da cultura, o saldo positivo da Lei Aldir Blanc se dá em sua configuração como movimento popular e espontâneo, como conquista de uma classe unida em torno de um propósito que beneficiasse a coletividade. Raramente se viu algo assim. E foi a evidência de que quando o setor se une, todas as conquistas são possíveis.

Carlos Guimarães Coelho é jornalista e produtor cultural.

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