“POR QUANTOS MÉDICOS NEGROS VOCÊ JÁ FOI ATENDIDO NA VIDA?”

Joana Araújo | Jornalista

“DIARIAMENTE TENHO QUE PROVAR MINHA

COMPETÊNCIA QUANDO DUVIDAM QUE SOU MÉDICO”

 

Dr. Fred William Nicácio: “Olhar outro negro como referência faz toda a diferença, por isso acredito que meu exemplo pode servir de motivação para outros.”

“Esta é a Dona Eunice, e no auge dos seus 74 anos, foi a primeira vez que foi consultada por um médico negro.” Foi com essa frase e uma foto postada em uma rede social, que o Dr. Fred Nicácio ficou famoso em todo o Brasil. A paciente foi atendida no Hospital Municipal de Conceição de Macabu, no Norte Fluminense, e pediu para o médico registrar o momento, pois era a primeira vez que ela era atendida por um médico negro. E você, por quantos médicos negros você já foi atendido na sua vida? Fred William Nicácio nasceu em Campos dos Goytacazes – RJ. Filho de funcionários públicos que não puderam concluir os estudos, ele e os irmãos sempre foram incentivados pelos pais a estudarem. Estudante de escola pública, Fred se formou em Fisioterapia em uma universidade particular, por meio de bolsa estudantil. Após uma pós-graduação em Terapia Intensiva, decidiu fazer medicina. Como o curso era em outra cidade, os custos para se manter ficaram altos. “O período de faculdade foi de muita batalha, mesmo tendo uma bolsa. A grana era muito contada. Era aluguel, xerox, alimentação, ônibus… muitas vezes faltava dinheiro no final do mês. Meus pais não podiam me ajudar, então eu fazia plantões, trabalhava aos finais de semana e ainda me dedicava ao curso de medicina que exigia muito”, recorda.

Fred ganhou os noticiários ao publicar uma foto com uma paciente: Dona Eunice, 74 anos, que acompanhava seu neto em uma consulta. No final do atendimento, Dona Eunice pediu, emocionada, para tirar uma foto, pois aquela era a primeira vez que estava diante de um médico negro. “O pedido da Dona Eunice mexeu comigo. Quando publiquei a foto quis levar o questionamento para que as pessoas pensassem quantos médicos negros elas conhecem. Aquela senhora levou sete décadas, enquanto o neto dela com nove anos já podia se sentir representado. De alguma forma, isto significa uma melhora no cenário, afinal ele já sabe que, como negro, ele também pode ser médico, ou advogado, ou outra profissão onde tradicionalmente não vemos negros. Fiquei muito feliz em poder fazer a diferença na vida e na autoestima dela”,

Dona Eunice pediu, emocionada, para tirar uma foto, pois aquela era a primeira vez que estava diante de um médico negro.

conta o médico, acrescentando que durante os seis anos de faculdade só tinha ele e mais duas colegas negras na turma. Mesmo após concluir o curso de Medicina e passar pelas dificuldades financeiras, o dia a dia nos hospitais não o isentam de situações desafiadoras. “Já notei expressões de surpresa quando chego em um novo plantão e me apresento como o médico. Diariamente tenho que provar minha competência quando duvidam que sou médico. Certa vez, eu estava com o grupo de pessoas no corredor, um paciente veio procurar o médico de plantão e se dirigiu à única pessoa branca que estava no grupo, perguntando se ela era o médico. O detalhe é que esta pessoa nem era profissional da saúde e estava com uniforme de sua função. Quando informado que eu era o médico, a pessoa ficou constrangida ao perceber seu próprio preconceito. Nessas horas é que vemos como o racismo está tão arraigado no inconsciente da pessoa, que acaba tendo uma atitude dessa sem perceber”, ressalta.

Mas como mudar este cenário? Para Fred, a educação de qualidade é a ferramenta fundamental para que negros possam mudar o estereótipo de que a cor do crime e do subemprego é negra. “A sociedade pré-define que negros não exercem profissões de destaque e alta escolaridade. Quero, pelo meu exemplo, mostrar que é possível alcançar os sonhos e tento trabalhar diariamente o incentivo a outros negros. Se o jovem negro hoje não consegue concluir uma faculdade, não é por que ele não é capaz, é porque ele teve menos oportunidade. Isso é um fato social, infelizmente. Mas é possível mudar essa realidade. Olhar outro negro como referência faz toda a diferença, por isso acredito que representatividade importa, sim, e que meu exemplo pode servir de motivação para outros”, finaliza.

 

Joana Araújo é jornalista, com experiência em assessoria pública e privada. Nos últimos anos tem se dedicado a entender suas origens e a pesquisar o histórico da busca pela igualdade racial no Brasil.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Damos valor à sua privacidade

Nós e os nossos parceiros armazenamos ou acedemos a informações dos dispositivos, tais como cookies, e processamos dados pessoais, tais como identificadores exclusivos e informações padrão enviadas pelos dispositivos, para as finalidades descritas abaixo. Poderá clicar para consentir o processamento por nossa parte e pela parte dos nossos parceiros para tais finalidades. Em alternativa, poderá clicar para recusar o consentimento, ou aceder a informações mais pormenorizadas e alterar as suas preferências antes de dar consentimento. As suas preferências serão aplicadas apenas a este website.

Cookies estritamente necessários

Estes cookies são necessários para que o website funcione e não podem ser desligados nos nossos sistemas. Normalmente, eles só são configurados em resposta a ações levadas a cabo por si e que correspondem a uma solicitação de serviços, tais como definir as suas preferências de privacidade, iniciar sessão ou preencher formulários. Pode configurar o seu navegador para bloquear ou alertá-lo(a) sobre esses cookies, mas algumas partes do website não funcionarão. Estes cookies não armazenam qualquer informação pessoal identificável.

Cookies de desempenho

Estes cookies permitem-nos contar visitas e fontes de tráfego, para que possamos medir e melhorar o desempenho do nosso website. Eles ajudam-nos a saber quais são as páginas mais e menos populares e a ver como os visitantes se movimentam pelo website. Todas as informações recolhidas por estes cookies são agregadas e, por conseguinte, anónimas. Se não permitir estes cookies, não saberemos quando visitou o nosso site.

Cookies de funcionalidade

Estes cookies permitem que o site forneça uma funcionalidade e personalização melhoradas. Podem ser estabelecidos por nós ou por fornecedores externos cujos serviços adicionámos às nossas páginas. Se não permitir estes cookies algumas destas funcionalidades, ou mesmo todas, podem não atuar corretamente.

Cookies de publicidade

Estes cookies podem ser estabelecidos através do nosso site pelos nossos parceiros de publicidade. Podem ser usados por essas empresas para construir um perfil sobre os seus interesses e mostrar-lhe anúncios relevantes em outros websites. Eles não armazenam diretamente informações pessoais, mas são baseados na identificação exclusiva do seu navegador e dispositivo de internet. Se não permitir estes cookies, terá menos publicidade direcionada.

Visite as nossas páginas de Políticas de privacidade e Termos e condições.

Utilizamos cookies e tecnologias semelhantes de acordo com a nossa Políticas de Privacidade e Termos e condições, ao continuar navegando, você concorda com estas condições.