Créditos para liquidação de débitos com a Receita Federal

Dr. José Carneiro Neto | Advogado Tributarista e Empresário

Fotos Divulgação

 Medida Provisória 899/2019 frente à utilização de créditos e ativos próprios e de terceiros para liquidação de tributos

A Medida Provisória 899/2019 traz, à baila, a matéria inerente a utilização de créditos para liquidação de débitos com a Receita Federal e estabelece os requisitos e as condições para que a União e os devedores, ou as partes adversas, realizem transação para resolver litígios envolvendo débitos tributários. Com a edição da MP 899/2019 firmou-se o entendimento o qual já se vinha sendo utilizado na prática que existe transação envolvendo créditos tributários e o contribuinte que está devendo tributos poderá fazer uma transação com a Administração Tributária, conforme determina o art.840 do CC. A MP 899/2019 estabelece os requisitos e as condições para que a União e os devedores ou as partes adversas realizem transação resolutiva de litígio, nos termos do art. 171 do CTN e disciplina a transação envolvendo a União, cujo ato é um juízo de oportunidade e conveniência da União conforme definido pelo o art. 1º, § 1º da MP a qual define que a União poderá celebrar a transação “sempre que, motivadamente, entender que a medida atenda ao interesse público”. Neste diapasão entende-se que a compensação de créditos tributários e de ativos financeiros, inclusive de terceiros, sempre constituíram instrumentos legais pontuais para ser objeto de liquidação de débito do contribuinte, principalmente, pessoa jurídica, para extinguir créditos tributários, com relação a tributos federais, estaduais e ou municipais, cumulativos e não-cumulativos e agora referendado também pela MP 899/2019. O Código Tributário Nacional admite o instituto dispondo que a lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública (art. 170), mas referido dispositivo deve ser interpretado aplicando-se as determinações da Constituição Federal. E a MP 899/2019 deve respeitar o disposto no CTN que dispõe de regras sobre o pagamento para não haver dúvidas ou para “introduzir disciplina específica, afastando preceitos do direito privado” (Machado, 2015, pág. 205) e o previsto no artigo 156, II, do CTN, que trata-se da compensação, que é uma das demais modalidade de extinção definido na disposição do artigo 170 do CTN deve ser extraída do direito privado, conforme ensina Eduardo Sabbag, que o conceito de compensação “pode ser extraída do Direito Privado, conforme os arts. 368 e 380 do Código Civil” (Sabbag, 2011, pág. 871). A compensação ocorre também quando o sujeito passivo é credor da Fazenda Pública, por ter pago tributo que não era devido ou por meio de sub-rogação de créditos ou ativos financeiros, sendo previsto no artigo 170 do CTN que a lei pode, às condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de referidos direitos tributários como créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos. A Fazenda não pode ter o direito de ter débitos e créditos e cobrar os créditos perante o sujeito passivo sem que tal não possa pedir a compensação, inclusive utilizando-se de ativos financeiros desde que líquidos e certos, pois seria de um todo inconstitucional. Trata-se de “decorrência natural da garantia dos direitos de crédito” (Machado, 2015, pág. 217), não podendo ser excluída a Fazenda Pública eis que “todos são iguais perante a lei” (CF, artigo 5º, caput). Em nada fala o artigo 170-A sobre contestação em via administrativa, portanto, não se percebe haver proibição de compensação mediante aproveitamento de tributo. De acordo com o artigo 74 da Lei 9.430/96, o sujeito passivo que apurar crédito, ou seja, sendo detentor de crédito ou ativo financeiro, mesmo por meio de sub-rogação, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele Órgão. Por força das implicações da Constituição Federal e do Direito Civil se permite a   compensação logicamente do princípio da estrita reserva legal, que preside as relações administrativo-tributárias em nosso sistema jurídico (art. 97, do CTN, e art. 5º, inc. II, e 150, inc. I, da Constituição Federal). A permissão legal, que admite a compensação de tributos devidos com ativos financeiros em face do fisco conforme preceitua o art.248, do Decreto 3.049/99 e também por créditos é bastante evidenciada no Código Tributário Nacional, no seu art. 170, pois este dispositivo não pode ser interpretado de forma restritivo. Precisamente, o art. 170 do Código Tributário Nacional trata de compensação com créditos de qualquer natureza, desde que certos, líquidos, vencidos ou vincendos, do contribuinte, sujeito passivo da relação tributária, com a fazenda pública e desta forma os ativos financeiros devem ser admitidos pois líquidos e certos e mesmo que adquiridos por terceiros por força da interpretação deste dispositivo com o art.166 do mesmo diploma e referida interpretação deve ser efetuada por força dos arts.107 e 108 do Código Tributário Nacional. A compensação do art. 170 do CTN permanece íntegra, vigente e aplicável a todas as situações que com ela se identifiquem, sendo imprescindível apenas que o contribuinte comprove a liquidez e a certeza de seu crédito, para contrapor-se ao crédito tributário que lhe está sendo exigido, pois apesar de a legislação federal: Lei nº 8.383/91 e Lei nº. 9.430/96, que regula a compensação no âmbito da União, normatizá-la, grosso modo, com referência à Fazenda Pública e não ao contribuinte, conquanto, por óbvio, este integre o liame obrigacional, deve este buscá-la, a todo custo, por ser questão de direito e de justiça.

IMPOSTO DE RENDA 201,Declaração IRPF 2019

Portanto, a IN 1717-2017 e seus respectivos artigos 71, 72, 73, 74, 75 e 76 não podem prevalecer para tolher o direito de se utilizar crédito de terceiros para compensação de tributos, pois a liberdade da cessão de crédito constitui a regra, em nosso ordenamento jurídico, tal como resulta da primeira parte do art. 286 do vigente CC, cujo similar era o art. 1.065 do CC de 1916, o que, de resto, é corroborado, em sua compreensão, pelos arts. 100, § 13, da CF e 78 do ADCT, que preveem a cessão de créditos de qualquer natureza consubstanciados, inclusive em precatórios. Portanto, a IN 1717-2017 e seus respectivos arts.71, 72, 73, 74, 75 e 76 e demais dispositivos não podem se prevalecer ao Código Tributário Nacional, ao Código Civil conforme bem declinado pelo Superior Tribunal de Justiça ao julgar o RESP 1.119.558 – SP: Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial Nº 1.119.558 – SC (2009/0014665-4) Relator: Ministro Luiz Fux R.P/Acórdão: Ministro Arnaldo Esteves Lima Recorrente: Centrais Elétricas Brasileiras S/A Eletrobrás Advogado: Daniela Kraide Fischer e outro(s) Recorrido: Zortea S/A Compensados e Esquadrias e outro Advogada: Tânia Regina Pereira e outro(s) interes. : Fazenda Nacional Ementa Processual Civil. Recurso Especial Representativo de Controvérsia. Art. 543-C do Cpc. Tributário. Empréstimo Compulsório da Eletrobrás. Restituição do Valor recolhido pelo contribuinte. Cessão de Crédito. Possibilidade. Impedimento Legal. Inexistência. Disponibilidade do Direito de Crédito. Art. 286 do Código Civil. Substituição do Sujeito Passivo da Relação Jurídica Tributária. Não Ocorrência. Compensação dos débitos no consumo de energia. Ausência de Previsão no Título Executivo. Coisa Julgada. Impossibilidade. Recurso especial não provido. 1. A jurisprudência das Turmas que compõem a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que os créditos decorrentes da obrigação de devolução do empréstimo compulsório, incidente sobre o consumo de energia elétrica, podem ser cedidos a terceiros, uma vez inexistente impedimento legal expresso à transferência ou cessão dos aludidos créditos, nada inibindo a incidência das normas de direito privado à espécie, notadamente o art. 286 do Código Civil. 2. O art. 286 do Código Civil autoriza a cessão de crédito, condicionada a notificação do devedor. Da mesma forma, a legislação processual permite ao cessionário promover ou prosseguir na execução “quando o direito resultante do título executivo lhe foi transferido por ato entre vivos” (art. 567, II, do CPC). 3. No caso em exame, a discussão envolve relação processual entre o credor (possuidor de um título judicial exequível) e o devedor, cuja obrigação originou-se de vínculo público, qual seja, o empréstimo compulsório a Eletrobrás, denominação, por si, reveladora de sua natureza publicística, cogente, imperativa, a determinar o dever de “emprestar” os valores respectivos nas condições impostas pela legislação de regência. 4. A liberdade da cessão de crédito constitui a regra, em nosso ordenamento jurídico, tal como resulta da primeira parte do art. 286 do vigente CC, cujo similar era o art. 1.065 do CC de 1916, o que, de resto, é corroborado, em sua compreensão, pelos arts. 100, § 13, da CF e 78 do ADCT, que preveem a cessão de créditos consubstanciados em precatórios. A natureza da obrigação, a vedação legal expressa e cláusula contratual proibitiva constituem as exceções. 5. No caso em exame, não se verifica nenhuma exceção, uma vez que a transferência ocorreu após o trânsito em julgado da ação de conhecimento. 6. A regra contida no art. 123 do CTN, que dispõe sobre a inoponibilidade das convenções particulares à Fazenda Pública, em matéria tributária, destina-se a evitar acordo entre particulares que poderiam alterar a responsabilidade tributária para com a Fazenda. Seus destinatários são os sujeitos passivos das obrigações tributárias, o que não é o caso dos autos. 7. O art. 173, § 1º, II, da Constituição Federal submete as sociedades de economia mista (natureza jurídica da Eletrobrás) ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários, o que robustece, mais ainda, a aplicação da regra inscrita na primeira parte do art. 286 do Código Civil ao caso, observado, obviamente, o art. 290 do mesmo código. 8. In casu, sob o manto da coisa julgada, verifica-se que no título executivo, base da execução, não se facultou à devedora a compensação dos débitos com valores resultantes do consumo de energia, o que afasta a alegação de ofensa às normas contidas nos §§ 2º e 3º do art. 2º do DL 1.512/76. 9. Recurso especial não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 8/08.

Concluindo, é legítima a compensação de débitos tributários de qualquer natureza por força do Código Civil, Constituição Federal e do próprio Código Tributário Nacional, seja utilizando créditos ou ativos financeiros próprios ou adquiridos de terceiros, seja de forma administrativa ou judicial, devendo todos os institutos serem utilizados de forma a complementar as lacunas deixadas pelo legislador, inclusive das disposições da MP 899/2019.

 

Dr. José Carneiro Neto é advogado tributarista e empresário, inscrito na OAB-SP 109.669 e OAB-MG 989-A, formado no Curso Superior – Universidade de Ribeirão Preto – SP – UNAERP, especializado em Direito Processual CF. Decreto nº 56.925/65 e pós-graduado em Direito Processual Civil – UFU – Universidade Federal de Uberlândia – MG. www.carneironeto.org

 

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