Carlos Guimarães
A pandemia mudou a rota de nossos destinos, tornando-nos ainda mais reféns de nós mesmos.
Já se foram mais de dois meses. O ano que, para muitos, começava promissor,
cheio de planos, projetos, metas, ideais, foi interrompido pela dramática crônica
de mortes anunciadas. Lá se foram os esboços da vida que queríamos para a
terceira década do século. Veio a pandemia e mudou a rota de nossos
destinos. Tornamo-nos ainda mais reféns de nós mesmos. Obrigados a nos
recolhermos em nossos lares e distantes de nossos afetos, começamos a ver a
vida sob outros paradigmas. Algo começou a mudar em nós. Recolhidos em
nossas insignificâncias, absortos em espelhamentos que não esperávamos,
todos os sentidos converteram-se em prevenção, em manutenção de uma vida
da qual mal tínhamos consciência. A ciência, ultrajada em seu poder de
evolução, tornou-se a ferramenta maior da esperança. A educação, quase
reduzida ao status de desnecessária, mostrou-se essência ao transferir-se para
dentro de casa. E os artistas, estes ofendidos como reles parasitas da
sociedade e usurpadores de recursos públicos, tornaram-se o alento, a alegria
e a emoção avisando a todos que, apesar de tudo, a vida ainda pulsa e, por
incrível que pareça, há humanidade em nós. A pandemia veio nos devolver
isso, as verdades desprezadas e a consciência de quem somos e para o caos
onde estávamos nos levando. A arte, desde sempre, nos aponta caminhos e
possibilidades. Até esse início de maio, o mundo parece um pesadelo.
Mergulhamos em sono profundo, de um estado caquético. E dele ainda não
despertamos. Entramos em transe, sonâmbulos que somos. E nesse
sonambulismo brigamos, esperneamos, nos agarramos à moeda, à economia e
a tudo que sempre nos prendeu com a ilusão que fosse vida.
Sobre a vida, ainda estamos atônitos sem entender direito o que de fato
significa, por mais que diariamente haja o grito do inconsciente nos revelando a
sua matéria-prima. E a arte sempre ali, na esfera lírica da imaginação, nos
despertando, revelando mais sobre nós mesmos do que poderíamos imaginar.
Se estamos assim, ao Deus dará, desde o mais pobre até o mais rico, é por
que planejamos mal nosso destino. Diariamente inventamos vírus: do
descontentamento, do poder, da inveja, da cobiça, do ressentimento, do juízo
de valor sobre todas as coisas e pessoas. Milhões de vírus que se agigantam e
produzem as armas letais da civilização. A arte, embora nem todos percebam,
está e sempre esteve ali, nos disponibilizando as ferramentas para combatê-
los. No filme que você assiste agora, nos espetáculos improvisados em
sacadas de edifícios, na música ouvida na TV, na tela fixada na parede da sua
sala, nas postagens em vídeos e charges que te divertem na internet, no livro
estacionado em sua estante, nas histórias em quadrinhos que você contempla,
nas plataformas digitais, nas mensagens poéticas e musicais, nas redes e nos
relacionamentos, estão a arte e as respostas para todos os temores e
inquietações. Elas podem vir metafóricas, abstratas, científicas, desenhadas
nas fórmulas quase matemáticas de nossos sonhos. Mas são sonhos, não
pesadelos. São sonhos que nos acolhem dentro desse pesadelo. É arte, com o
seu poder despertador, com seu poder transformador. Acolha um artista.
Colabore com o movimento Cultura Luta e ajude a manter a arte de nossa
cidade. Você pode obter mais informações sobre como fazer isso pelos
telezaps (34) 99232-0679, 99222-0066, 99118-6224 ou nas páginas virtuais
culturaluta.
Carlos Guimarães Coelho é jornalista e produtor cultural.