Começarei escolhendo essa frase, para dizer um pouco do estado de ser mulher. São várias formas de olhar a mulher, mas, como psicóloga, trago em memória o estudo das histéricas, iniciado por Freud no final do século XIX. O que acontecia a essas mulheres era uma somatização neurótica, em que a repressão da libido resultava em profunda angústia. Chegava por vezes, atingir graus expressivas, como a paralisação de algum membro, surdez, transtorno de pânico, falta de ar. Freud chamou de conversão esse mecanismo, por meio do qual, conflitos reprimidos e não expressos verbalmente encontram uma expressão corporal.
Um fato interessante é que, desde que a Psicologia se consolidou como ciência e profissão, mulheres buscam mais ajuda psicológica do que homens. Através de várias pesquisas, fica claro o quanto a mulher é mais vulnerável e/ou sofre várias demandas emocionais. Diferentemente dos homens que, por vezes, encaram a terapia como um tabu ou fogem léguas quando o assunto é “emoção”. Existem homens, no entanto, que são exceções, que se interessam pelo universo sensível e profundo da mente humana, e se abrem e se vulnerabilizam em alguma busca por ajuda psicológica.
Voltando à frase inicial do meu texto, quero elucidar a realidade corriqueira, da incompreensão ao feminino, que é vivida, diariamente, no trabalho, na rua, dentro de casa. Repressões em relação ao próprio estado natural de ser “fêmea”, incluindo, oscilações hormonais, menstruação, medo de expressar a feminilidade. Projeções irreais vindas do homem existem desde a mitologia, quando as musas e as deusas eram veneradas. Desde que “Pandora” surge como a primeira mulher humana e comete um grande erro ao abrir a caixa com todos os males da humanidade, está feita a promessa de que a mulher seria o sexo frágil. Desde então, tornou-se comum a ideia de que mulheres sejam vistas como seres inferiores ou difíceis de lidar. Inconscientemente, essa ideia se enraizou no comportamento de homens e mulheres. Observe que, no trânsito, até os dias de hoje, se algum motorista comete algum erro de direção, é comum escutar: “só podia ser mulher”. Outros comentários de cunho depreciativo como “você deve estar naqueles dias”, “cuidado com o que você vai falar”, “vai dar trabalho pro seu pai quando crescer”, “mulher tem que se cuidar” e outras tantas frases que, inconscientemente, são pronunciadas por homens e mulheres, mostrando que existe uma estrutura de dominação do masculino sobre o feminino, vindo de raízes muito arcaicas.
A sensação de incompreensão leva muitas mulheres a estados de ansiedade, angústia e depressão, essa última, muitas vezes, vivenciada por mulheres da terceira idade. A falta de respeito ao feminino aparece porque a complexidade de ser mulher, no sentido fisiológico e emocional incomoda a maneira como os homens passam por aqui nesse mundo, dominando facilmente boa parte dos ambientes e situações. Dessa forma vêem como as mulheres mais adequadas, são aquelas mais caladas, que não chamam atenção ou competem por espaço.
A repressão feminina, surgiu desde que o patriarcado aqui se instalou. É preciso muita roda de conversa entre mulheres para que sejamos nossa rede de apoio contra a repressão de conteúdos internos. A compreensão é buscada em roda de amigas, psicólogos e em raros casos, homens mais sensíveis para criar empatia com a mulher e não reprimir suas expressões. Esses são, realmente, conscientes de que ser homem não significa ter mais poder ou ser maior que a mulher.
Não gostaria aqui de empoderar a figura da mulher para que possamos nos sentir valorizadas, simplesmente porque quem precisa se empoderar, na verdade se coloca como pequeno. Gostaria sim, de lembrar que já nascemos grandes, somos responsáveis pela criação de outro ser, somos capazes de sangrar todo mês, alimentamos seres naturalmente. Só por aí já não somos pequenas. Às vezes, penso que a maioria dos homens perdeu a capacidade de lidar com a grandiosidade do feminino e, para isso, usou de artifícios para diminuir sua importância.
Quando os homens decidirem se interessar pelo universo interno das mulheres e não somente pelo externo, talvez, teremos grandes evoluções. Ainda somos vistas como objeto de admiração, causando deslumbramento, ilusões e, quando abrimos a caixa de pandora, o homem se assusta ao lembrar que somos humanas e com complexidades diferentes do masculino.
As profundezas de uma mulher são rios e rios, de potencialidades escondidas, gritos abafados, falas enterradas, talentos não trabalhados, cansaços de ser e estar como mulher em um mundo que cobra beleza e delicadeza, polidez e sutileza na superfície, mas que demanda mil e uma tarefas altamente desgastantes todos os dias. O que desejo como profissional da saúde mental é ver, cada vez mais homens se sensibilizando com coragem para entender o feminino, respeitá-lo em sua natureza, valorizá-lo e mulheres assumindo sua verdadeira importância. Que exista espaço de expressão e não de repressão ao feminino. Vale lembrar que navegar em águas calmas nunca fez bom marinheiro.