Nossa velhice, aos olhos dos outros é muito mais perversa e certeira que aquela que compartilhamos no espelho, dia após dia.
Nos vemos sempre, muitas vezes ao dia. As transformações acarretadas pela passagem do tempo, lentamente, vão dando sinais, os quais nem sempre percebemos. Não nos damos conta do tanto que mudamos. Do tanto que envelhecemos. Mas, isso não significa que não nos enxerguemos nessa nova etapa da vida. É uma questão de tempo e conhecimento. De liberdade e aceitação.
É bem verdade que é pela aparência que as outras pessoas mais nos reconhecem – pelas rugas, cabelos brancos, calvície, pele flácida, manchas, sardas, verruguinhas, marcha lenta, corpo avolumado e por aí vai.
Aqueles que não nos veem com frequência acabam se assustando (ou não) com as transformações que o tempo nos impõe.
Meu marido é perverso na avaliação das pessoas que não temos contato há algum tempo. Ele, sem constrangimento ou filtro, diz: “Ah! Nem reconheci a Joana. Como ela está envelhecida! E relata as mudanças!” ganhou peso, perdeu a beleza, está bem enrugada, o corpo está disforme. O rosto está bem mudado. “E completa no final, quase lastimando”, como ela era linda!
Acredito ser a verdadeira beleza aquilo que se vê para além dos olhos físicos. Para além das possíveis aparências.
A nossa essência (não alienada) tem valores, princípios e atributos como razão, vontade e coração, os quais nos fazem mais completos, mais reais, mais humanos.
Confesso que essas surpresas que os olhos nos apontam não acontecem apenas com meu marido. Pode, na verdade, ocorrer com todos nós, mas apenas alguns expressam seus sentimentos. Outros reservam seus julgamentos para si. Outros tantos, nem se ocupam em observações vazias de conteúdo e significado.
Por certo, os olhos encaminham imagens para o nosso cérebro e, esse, se encarrega de armazená-las. Quando, depois de algum tempo sem ver uma determinada pessoa, a imagem guardada na memória é bem diferente daquela que se vê. Daí os muitos espantos e/ou admirações.
Hoje fui ao supermercado. Vi um colega de escola. De muitas décadas atrás. Meu colega do antigo ginásio. O Lucas. Tão brilhante. Tão alegre. Tão despojado. Tão amigo. Para minha tristeza, ao vê-lo senti uma dor latente dentro de mim. Ele se tornou alcoólatra. Desfez o casamento, não trabalha mais. Não tem contato com os filhos. Vive sozinho, entregue ao vício.
Confesso que a minha primeira impressão foi péssima. Eu não o reconheci. Entretanto, ele se aproximou e me chamou pelo nome. Tive um misto de alegria e pavor em vê-lo tão “judiado”. Tão desgastado.
Trocamos algumas palavras e nada nos uniu para que uma prosa fosse iniciada. Ficamos nos olhando.
Desse encontro, ficou a saudade de um tempo que se alojou na memória e de lá não mais saiu.
Pobre Lucas! Não se importa com a higiene, a alimentação, a vestimenta, com os amigos nem com os familiares.
Está só. Só e sem perspectivas.
Fiquei penalizada.
E, sem nada por fazer, orei por ele!